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Dia Internacional da Liberdade de Imprensa: ditadura militar e os reflexos da censura nos dias de hoje

Para a cientista política Rosemary Segurado, um país que não tem uma imprensa livre é um país em que a sociedade como um todo está vivendo com uma espécie de mordaça

03/05/2021

por Eduarda Endler (Cartola - Agência de Conteúdo)

“Esse jornalismo que vocês fazem é um jornalismo podre”; “Tem que entrar de novo em uma faculdade que preste e fazer um bom jornalismo”; “Cala a boca, não perguntei nada”; “Vocês atrapalham o Brasil com esse tipo de notícia”; “É uma canalhice o que vocês fazem”; “Você tem uma cara de ser um homossexual terrível”; “Isso é uma patifaria”; “Minha vontade é encher a sua boca com uma porrada, tá?”; “O maior problema do Brasil não é com alguns órgãos, é com a imprensa”. Essas foram declarações proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro. 

Durante o ano passado, o presidente e seus filhos fizeram 469 ataques a jornalistas e veículos de imprensa, de acordo com a organização não-governamental (ONG) Repórteres Sem Fronteiras. As jornalistas mulheres sofreram mais ataques pessoais, foram 34, entre ofensas, ameaça judicial, descredibilidade e até impedimento de cobertura.  Diante do mundo, o Brasil ocupa o 107º lugar no ranking mundial de liberdade de imprensa. Neste Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, conversamos com Rosemary Segurado, professora e coordenadora do curso de pós-graduação em Mídia, Política e Sociedade da Sociologia e Política – Escola de Humanidades, sobre como os profissionais da mídia sofreram com a ditadura militar e quais são os reflexos dessa censura nos dias de hoje.

Entre 1 de abril de 1964 e 15 de março de 1985, a sociedade foi cerceada em seu direito básico, que é a liberdade de expressão e de comunicação. As maiores vítimas desse período foram os profissionais da área de mídia e de comunicação, os quais têm como ofício coletar dados, observar fatos e produzir informação para a sociedade. “A informação é um dos pilares básicos fundamentais para qualquer sociedade democrática. E claro, em um período ditatorial, esse tipo de profissional tende a ser um alvo privilegiado dos serviços de repressão à medida que ele pode levar informações que coloque a gravidade do que ocorria naquele regime”, explica Rosemary. 

Ao comparar o regime militar com os dias atuais, a cientista política afirma enxergar reflexos autoritários muito preocupantes e graves no país atualmente. Ela lembra que o governo Jair Bolsonaro tem mais ministros militares do que tinha na época da ditadura e que aproximadamente 2.500 cargos de confiança do governo federal estão ocupados por militares. “Os ataques à imprensa são cotidianos, e o presidente talvez seja o que capitaneia essa ação não só de ataques, mas principalmente de deslegitimação da atividade jornalística, da atividade da imprensa”, salienta. Rosemary explica que, ao mandar o jornalista calar a boca e o ofender de outras formas, o presidente não parte do pressuposto de que um governante tem por dever levar informações de transparência e de qualidade para a população, que é parte da atividade jornalística divulgar atos, sejam eles positivos ou negativos. 

Essa atitude, segundo a professora, é uma estratégia de “jogar a população contra o jornalismo, para que ele e suas fontes – os veículos de comunicação que de alguma maneira reforçam a narrativa autoritária do governo ou defendem as suas posições – sejam a fonte de informação dessas pessoas”. Dessa forma, não há espaço para pluralismo de ideias e de opiniões, muito menos espaço para que uma imprensa livre divulgue informações com base em fatos. “Esse é um problema muito importante que o jornalismo vem enfrentando na atualidade”, explica.

Por isso, o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa é uma defesa fundamental para que a imprensa possa ter pluralidade na cobertura dos fatos, sejam eles governamentais ou não. Essa data é uma garantia muito importante para que a liberdade de expressão se mantenha na sociedade como um todo. Para Rosemary, um país que não tem uma imprensa livre é um país em que a sociedade como um todo está vivendo com uma espécie de mordaça. “O Dia Internacional da Liberdade de Imprensa é simbólico, mas como simbólico ele tem que ter o papel e o caráter de reafirmar que a liberdade de imprensa é um pressuposto, é um pilar básico de uma sociedade democrática, do aprofundamento da democracia, no caso do nosso país, e é fundamental ele ser celebrado”, salienta. 

Além de lutar contra a desinformação e o negacionismo que habitam o nosso país, é preciso defender incondicionalmente a liberdade de expressão e de comunicação da sociedade. Dentro de todo o cotidiano dos veículos de imprensa, a professora salienta a importância do jornalista tentar manter uma autonomia e principalmente o olhar crítico a qualquer conduta que tente impor uma concepção ou uma visão que seja diferente àquela que ele quer expressar. “É sempre muito importante que a gente atente que os fatos não são passíveis de serem entendidos como um fato alternativo ou oficial. Fato é fato. Eu nasci no dia 23 de dezembro. E isso é fato. Todo o resto é opinião. Que o jornalista não esqueça nunca que o compromisso dele é com o fato, é com a informação de qualidade, é com o público a quem ele está destinando essas informações. Esse é um princípio básico e fundamental para a garantia da liberdade de expressão e de comunicação, para impedir que qualquer prática de censura cresça e ganhe espaço na nossa sociedade”. 

 

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