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Diante de pior momento da pandemia, Escola de Humanidades realiza debate para pensarmos saídas para a crise

Gestores públicos, médicos sanitaristas e economistas comentam a situação da pandemia no Brasil

05/03/2021

Um ano depois do início da pandemia no Brasil, passamos novamente por novos recordes em número de casos e mortes devido ao Covid-19, ao mesmo tempo em que saem resultados do PIB 2020 que mostram uma queda de mais de 4% na economia brasileira no último ano. Saúde e economia estão deterioradas e a saída para a crise parece longe com os avanços tímidos nos números da vacinação. Para entender esse cenário e pensar em caminhos possíveis, a Cátedra Celso Furtado e o Instituto Walter Leser, da Sociologia e Política - Escola de Humanidades, promoveu um debate nesta sexta-feira, 5 de março, sobre "como cessar a mortalidade e reativar a pandemia". Confira a live na íntegra no final do texto.

Participaram o governador do Maranhão, Flávio Dino; o prefeito de Araraquara, Edinho Silva; o ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina; o professor de economia e presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Corrêa de Lacerda; o médico sanitarista, Cláudio Maierovitch, também ex-presidente da Anvisa; a secretária-executiva do Cosems, Aparecida Linhares Pimenta; e a procuradora regional do Trabalho e vice-coordenadora do GT Covid-19 do Ministério Público do Trabalho, Márcia Kamei Aliaga

Médico sanitarista e presidente do Conselho Superior da Sociologia e Política, o professor Ubiratan de Paula Santos contou que a ideia de fazer esse debate é um esforço de contribuição para a grave situação que vivemos hoje, lemrbando que mesmo quando os números diminuíram no segundo semestre do ano passado eles ainda eram altos, a pandemia nunca arrefeceu. Por isso o debate traz pessoas que estão lidando com esse problema direto na máquina pública e pessoas que estudam esses temas e podem contribuir para o debate. "O momento é de extrema gravidade, porque o ano todo nós não tivemos uma coordenação nacional adequada. Temos na coordenação nacional uma pessoa que é sócia do coronavírus, que promove práticas que nos impedem de ter uma eficiência maior no controle dessa pandemia", declarou. 

Antes de começar o debate, o diretor-geral da instituição, Angelo Del Vecchio, explicou que a Sociologia e Política - Escola de Humanidades promove esse debate porque faz parte de sua tradição tocar onde a questão social é mais aguda, e hoje ela é mais aguda no caso da pandemia. "Além de ser uma desgraça mundial, é também uma desgraça social que atinge com mais violência os pobres e os excluídos da sociedade. Isso já justificaria nossa iniciativa. Em 1933, quando nascemos, o ponto mais agudo da questão social era o do salário mínimo. A primeira pesquisa criada para cálculo da cesta básica foi realizada na Escola e foi precursora do salário mínimo", lembrou, destacando também as relações históricas entre a medicina e a sociologia brasileira. 

Grande parte das pessoas ainda não entendeu que estamos diante de um vírus de transmissão aérea, destacou o médico sanitarista, ex-presidente da Anvisa, e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da FGV-SP, Gonzalo Vecina. "Os números já são mais assustadores do que os da gripe espanhola e as pessoas não entenderam que se elas não usam máscara, se transformam em difusoras diretas do vírus", explicitou. O médico destaca também que outro ponto é que os erros do governo no âmbito dos ministérios da Saúde e das Relações Exteriores atrasaram consideravelmente a capacidade do Brasil em vacinar e produzir vacinas. "Temos oito milhões de vacinas entregues, isso não é nada. Essa epidemia só para com vacinas", defendeu, lembrando que as iniciativas de outros entes federativos em tentar comprar vacinas é problemática, porque só aumentariam as desigualdades sociais. "E essa desigualdade tem marcas, quem tem dinheiro tem vacina, quem não tem dinheiro, não tem? Não tem cabimento nenhum município chegar na vacina e outros não. Temos de estruturar alguma alternativa que leve os estados a fazer um consórcio, se for o caso, para substituir o Ministério da Saúde", defendeu.

Prefeito da cidade de Araraquara-SP, Edinho Silva, lembrou que só existem duas formas de combater a pandemia: vacinação em massa ou isolamento social. "Como infelizmente no Brasil não produzimos vacinas para atender toda a população, o que nos resta é o isolamento social. E é isso que Araraquara foi obrigada a fazer, de forma inclusive antecipada a algo que vários governadores e prefeitos estão adotando agora", disse. Ele conta que o momento em que o monitoramento percebeu que a variante de Manaus chegou em Araraquara buscou uma rápida resposta, tirando transporte público de circulação e fechando estabelecimentos - inclusive supermercados - por 7 dias, para de fato restringir a circulação e o resultado é um viés de queda de casos em decorrência do percentual das amostras positivadas. "Estamos no terceiro dia consecutivo de um percentual de queda, que precisa ser analisado".

Edinho afirma que a omissão do Governo Federal é crime de responsabilidade. "O que vamos ver no Brasil nas próximas semanas será a maior tragédia humanitária da nossa história. As medidas que nós adotamos desde o final de janeiro em Araraquara vão efetivamente se refletir na próxima semana ou talvez na outra. O drama disso tudo? Nós fizemos pedidos para usinas de produção de oxigênio 25 dias atrás, e a última foi entregue nesta semana. Se todas as outras cidades precisarem agora, não vai ter usina de oxigênio na prateleira", lamenta.

Para Cláudio Maierovitch – médico sanitarista, ex-presidente da Anvisa e pesquisador da Fiocruz de Brasília – seria impossível chamar a crise brasileira de qualquer outra coisa se não um morticínio. "A gente vive um caos evitável. Somos um país que tem recurso, capacidade, conhecimento. Do ponto de vista técnico, já tá mais do que demonstrado pela Austrália e países asiáticos, que era possível evitar o que aconteceu", analisou. Segundo o pesquisador, quando falamos em cessar mortalidade e reativar economia, nós temos de pensar no que ainda podemos fazer, apesar do enorme prejuízo humanitário que já tivemos e ainda teremos devido a negligência. "Nosso governo não foi incompetente, porque foi uma escolha, ele optou por não adotar as medidas necessárias. Enquanto tivermos um pretenso líder nacional que tenta desmontar no seu discurso as medidas para enfrentamento na pandemia, continuaremos tendo o caos".

Flávio Dino, governador do Maranhão, disse que o debate é fundamental para podermos iluminar caminhos. "É importante lembrar que há uma terrível coerência entre os postulados fascistas do século XX e o neofacismo do século XXI. A ideologia do ódio elevada à enésima potência, transformada em apologia à morte e riso diante do sofrimento alheio. Qual é a trajetória da pandemia no Brasil? Gostaria de sublinhar esse último elemento. Nós temos uma violação na própria ideia de federação, com os Estados atuando em paralelo. E temos também esse combate do governo federal contra as medidas preventivas", comparou. No campo positivo, ele destacou a atuação de seus colegas governadores com o Superior Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, nas presidência de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. 

"Vivemos um momento de agravamento, isso é óbvio, está em todos os indicadores. Não temos os instrumentos de superação, uma vez que houve o retardamento de uma série de medidas. Nós tivemos que judicializar isso em meio ao Supremo. E também no que se refere a temática dos imunizantes, em que houve uma série de decisões absurdas para esse criminoso desabastecimento, porque não é algo que podemos adjetivar apenas como um erro, foi criminoso", declarou, pontuando que existe um exaurimento na capacidade dos governadores neste momento, um cansaço justificado da sociedade que enfrenta dificuldades de sobreviver e uma grande dúvida sobre o papel do Congresso com as novas presidências da Câmara e do Senado.

O economista e presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, lembrou que é preciso deixar bem claro que existe uma falsa dicotomia entre economia e saúde. "A vida é o bem econômico mais valioso. Qualquer interpretação de que você deveria acelerar a retomada e desprezar as medidas de isolamento em prol da pandemia, é absolutamente equivocada". Lacerda fez um breve histórico sobre a política econômica do governo Bolsonaro até mesmo antes da pandemia, com um crescimento pouco significativo em 2019, declarando que 2020 escancarou a fragilidade das escolhas das políticas econômicas. "A pandemia escancarou a vulnerabilidade econômica brasileira, agravada com os problemas estruturais", destacou, lembrando dos empregos informais, da carência de moradia e da desindustrialização, que são três grandes problemas no enfrentamento à pandemia. "Não há ajuste fiscal possível, com uma economia em recessão".

Em sua fala, Márcia Kamei Lopez Aliaga, procuradora regional do trabalho e vice-coordenadora do GT COVID-19 do Ministério Público do Trabalho (MPT), lembrou que em março completaremos um ano da portaria do Ministério da Saúde que declarou que a transmissão comunitária do novo coronavírus ocorria em todo território nacional. "O arrastamento dessa crise por um tempo tão longo nos levou a um esgotamento mental, e isso tem desdobramentos, e nesse aspecto muita coisa mudou na aderência e percepção da crise", analisou. Citando sua experiência com o MPT, Márcia destacou a necessidade de se fazer uma reflexão sobre o que já ocorreu, para repensar as táticas de ação. "Nesse momento, com mais de 10 estados que não têm como atender mais pacientes, temos de pensar nos princípios de precaução", contou. O MPT se organizou em torno de um plano de ação nacional, estruturado em março do ano passado, que previa 4 grandes eixos de estruturação: a articulação interinstitucional de políticas públicas, o diálogo social, a divulgação de normas técnicas e recomendações para os trabalhadores, e, por fim, as medidas administrativas para o grupo de atuação do MPT. 

Já para Aparecida Linhares Pimenta - médica sanitarista e atual secretária-executiva do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo (Cosems) -, a grande questão é o papel insubstituível do Ministério da Saúde, de coordenar e formular as grandes políticas nacionais, que não existiu durante a pandemia. "Precisávamos de um ministério criando uma campanha agressiva, esclarecedora, cotidiana, sobre a importância do uso da máscara. Que coordenasse uma ampla campanha de testagem em massa, e isso também não aconteceu, ficou por conta dos estados e dos municípios. E esse papel previsto na arquitetura política do Sistema Único de Saúde, à medida que não tem essa coordenação nacional, rompe um dos pilares do SUS, que começou a ser desmontado desde o impeachment contra a Dilma", frisou. Segundo ela, apesar do Ministério da Saúde ter acesso ao maior banco de informações sobre a Covid no país, falta equipe técnica capaz de analisar esses dados. "Nós temos de lidar com essa pandemia, numa realidade de SUS em que não existe mais Ministério da Saúde, e isso gera um impacto que a gente pode dizer sem medo de errar: é um dos grandes fatores para termos o resultado que tivemos. O papel constitucional do Ministério não foi cumprido. E se não tivéssemos essa engenharia política tripartite do SUS, a tragédia seria muito maior", destacou.

Após as falas iniciais, os convidados responderam a uma rodada de perguntas.

Assista na íntegra:

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