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Debate sobre ciências sociais aplicadas encerra seminário

FESPSP retoma às origens e reformula currículos de cursos em 2020

04/11/2019

O presidente do Conselho Superior da FESPSP, Angelo del Vecchio, palestrou no dia 31/10, encerramento do VIII Seminário FESPSP 2019: Juventude, Trabalho e Profissão, realizado na última semana de outubro. Angelo tratou sobre o desafio que mobiliza o corpo diretivo da escola e seus professores: o domínio teórico sobre o que seja a sociologia aplicada ou a ciência social aplicada, a sua história, o que ela constitui, quais são os casos históricos exemplares desse tipo de conhecimento e transformar isso em um curso, em um currículo, em uma dinâmica de transmissão e criação de conhecimento. No caso, um desafio triplo, pois serão currículos novos para os cursos de Administração, Biblioteconomia e Sociologia e Política.

Primeiramente, o professor Angelo contextualizou o que é a ciência social aplicada. Ela é uma parte da ciência social lato senso, assim como são a teoria, a pesquisa, a prática. “Aplicação diz respeito a uma finalidade com base nos elementos da teoria, da pesquisa, em todos os recursos da ciência social, propor soluções para problemas sociais sempre concretos e circunscritos. É inimaginável que se faça uma aplicação extensiva a um país inteiro. Além da proposta, a aplicação pressupõe a implementação, o controle e a eventual correção das ações que foram feitas. Normalmente, este tipo de ação aplicada está associado às políticas públicas, mas não se estreita às políticas públicas. Inclusive no plano das empresas há uma dimensão aplicada”, explicou.

Angelo destacou que a sociologia é aplicada sem que muito de seus aplicantes tenham consciência do que estão fazendo, do tipo de conhecimento com que lidam. “Se ela está parte, quais relações ela estabelece com a teoria e com a pesquisa? Este é um problema que, do ponto de vista teórico, avançamos um pouco. Elaborei um livro junto com a professora Isabela Oliveira que de certa forma organiza. O debate não resolve porque é muito complexo, mas a gente enfrentou não só pelo amor ao debate acadêmico, mas para que a gente estruture os cursos em função dessa nova incorporação.”

Há 15 anos, desde que organizou uma biblioteca hoje doada para a FESPSP sobre a ciência social aplicada, teoria e estudos de caso, existe a ideia de estruturar novos cursos. Angelo trabalhou boa parte dessa bibliografia, cerca de 60, 80 livros muito focados nestas questões, atrás da chave - qual o estatuto científico da ciência social aplicada - e agora tem uma resolução provisória.  A gente sabe do que estamos falando, não é tudo, mas é um bom pedaço do caminho. Agora isso é necessário porque nós precisamos transformar essa proposição, que é basicamente teórica, em um curso que, na verdade, são três cursos ligados às ações, duas delas classificadas como ciências sociais aplicadas, Biblioteconomia e Administração.

Outro desafio levantado pelo professor Angelo é a razão destes campos de conhecimento serem ciências sociais aplicadas. Resumidamente, porque eles resolvem problemas sociais concretos, tanto no âmbito de empresas, como na questão de disponibilização de busca de informação. “Estamos fazendo um esforço para que ela migre também para a graduação em Sociologia Política. É importante dizer que essa migração não significa deslocar aquelas qualidades tradicionais do curso que são muito boas e devemos preservá-las. Não é por isso que nosso curso, o primeiro curso de ciências sociais do país, vai perder sua marca. Ele vai ganhar uma outra marca que fomos buscar na história da própria instituição”, acrescentou.

Sociologia aplicada

A escola foi fundada em maio de 1933 e no segundo semestre do mesmo ano iniciou-se uma pesquisa com os operários de São Paulo feito pelo professor americano Horace Davis que visava estabelecer como viviam sob o ponto de vista do consumo. Foi feito um estudo in loco em 210 famílias durante um mês onde se aferia o que elas consumiam. Nas famosas cadernetas, o pesquisador anotava o que a família adquiria para sobreviver durante um mês. O objetivo da pesquisa e sua aplicação era estabelecer quanto era necessário para uma família média de um operário sobreviver.

A pesquisa foi realizada por Roberto Simonsen, entre outros pesquisadores, um dos fundadores da Escola Livre de Sociologia e Política, industrial que tinha por preocupação estabelecer uma medida do modo de vida dos operários, que garantisse a sua existência com certa segurança seja por uma razão mais humanitária seja por uma razão política, porque a vida no Brasil era muito convulsionada por essa questão da insuficiência dos salários. Essa medida criada existe até hoje, é a cesta básica.

“Essa é uma tradição da instituição que decidimos recuperar e que nos dá uma identidade e que, ao mesmo tempo, nos dá possibilidade da resolução de um paradoxo da profissão: nós temos uma país carregadíssimo de problemas sociais e, no entanto, os cientistas sociais que formamos não conseguem trabalho condizente com a sua formação”, explicou Angelo, citando um indicador do IBGE que aponta que apenas 2,5% daqueles que concluem os cursos de Ciências Sociais seguem a carreira típica de pesquisador acadêmico.

Angelo destacou que, na realidade, a novidade da FESPSP tem 86 anos. “Nós vamos voltar a origem da escola. E isso nos coloca algumas necessidades, entre elas ter material bibliográfico próprio para isso. A bibliografia é basicamente em língua estrangeira. Enfrentamos o desafio organizando um livro, que tem uma introdução teórica e uma série de estudo de casos muito elucidativa do que vem a ser a prática da ciência social aplicada.”

A professora Isabela Oliveira destacou que no momento político atual é particularmente importante a reflexão sobre coo fazer ciência social em um contexto autoritário. “Como produzir conhecimento, teoria e prática?”, questionou. “Precisamos sair da dicotomia teoria e prática. O livro é um convite para uma reflexão e uma primeira incursão no tema.”

 

Lia Carneiro - Agência Fato Relevante
lia.carneiro@agenciafr.com.br 

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